domingo, 15 de abril de 2012

O conceito de História local e o ensino da História

     Um dos principais problemas relacionados ao uso da história local no ensino da História é a definição e a abrangência desse conceito. De modo geral, as obras sobre história local reportam-se à história de pequenas localidades, escrita por pessoas de diferentes segmentos sociais, não necessariamente historiadores. Esse fato tem provocado várias crises e até certo descaso pelos conteúdos da história local. Atualmente, na produção historiográfica, algumas obras indicam novo enfoque sobre a história local, motivado, principalmente, pelo interesse pela história social, ou seja, pela intenção de recuperar a história das sociedades como um todo, a história das pessoas comuns.

     A valorização da história local pelos historiadores teve reflexos nas propostas curriculares nacionais, como se pode observar nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino fundamental (1997-1998) e para o ensino médio (1999), nos quais as atividades relacionadas com o estudo do meio e da localidade são, enfaticamente, indicadas como renovadoras para o ensino da História e salutares para o desenvolvimento da aprendizagem. No entanto, uma supervalorização dessa perspectiva de ensino também foi alimentada, provocando a ilusão de que a realidade imediata é a única e importante fonte de motivação do conhecimento e desencadeadora de problematizações. Essa exposição advém muito mais de elaborações de senso comum e da transposição mecânica de teorias de aprendizagem que de reflexões e relações com conteúdos específicos da História.

     Algumas questões precisam ser consideradas ao propor o uso da história local no ensino da História. Em primeiro lugar, é importante observar que uma realidade local não contém, em si mesma, a chave de sua própria explicação, pois os problemas culturais, políticos, econômicos e sociais de uma localidade explicam-se, também, pela relação com outras localidades, outros países e, até mesmo, por processos históricos mais amplos. Em segundo lugar, ao propor o ensino da história como indicador de construção de identidade, não se pode esquecer de que, no atual processo de mundialização, é importante que a construção de identidade tenha marcos de referência relacionais, que devem ser conhecidos e situados, como local, o nacional, o latino-americano, o ocidental e o mundial.

     Tais questões indiciam que, como definição curricular para o ensino, a história local traz uma maneira de pensar e fazer a História, em termos de aprendizagem e concepções, bastante problemática, à qual podem ser acrescidas questões como anacronismo, desenvolvimento de perspectivas etnocêntricas, reducionistas e localistas bem como o perigo da identificação local como o mais próximo e o mais conhecido, provocando, assim, o estabelecimento de uma relação mecânica entre o próximo e o já conhecido.

     Como elemento constitutivo da transposição didática do saber histórico para o saber escolar, a histórica local pode ser vista como estratégia pedagógica. Trata-se de uma forma de abordar a aprendizagem, a construção e a compreensão do conhecimento histórico com proposições que podem ser articuladas com os interesses do aluno, suas aproximações cognitivas, suas experiências culturais e com a possibilidade de desenvolver atividades diretamente vinculadas à vida cotidiana. Como estratégia de aprendizagem, a história local pode garantir melhor apropriação do conhecimento histórico baseado em recortes selecionados do conteúdo, os quais serão integrados no conjunto do conhecimento.


Maria Auxiliadora schmidt e Marlene Cainelli. Ensinar História. São Paulo, Scipione, 2010, páginas 137-138-139.